HISTORIOGRAFIA DA ÁREA DE ENSINO DE CIÊNCIAS NO BRASIL: PARA ALÉM DAS MARCAS PATRIMONIALISTAS E DA MODERNIZAÇÃO INAUTÊNTICA
DOI:
https://doi.org/10.22600/1518-8795.ienci2023v28n3p170Palavras-chave:
Brasil, Área de Ensino de Ciências, História, Desigualdade, ModernizaçãoResumo
Esta pesquisa teve como objetivo estabelecer relações entre a historiografia nacional brasileira, trabalhada por Jessé Souza, com a historiografia da área de Ensino de Ciências brasileira encontrada na literatura especializada. Em suas obras, o referencial teórico desta pesquisa, Jessé Souza, trabalha as interpretações históricas do Brasil - interpretações, no plural, pois, na obra de Jessé Souza, são expostas duas interpretações da história do Brasil. A primeira interpretação, denominada de patrimonialista, busca nossas origens em um passado remoto da sociedade portuguesa e identifica, como a origem dos nossos males, um suposto atraso do país e, principalmente, do Estado. A segunda interpretação é proposta por Jessé Souza com base em trabalhos empíricos e obras de outros intérpretes nacionais como Gilberto Freyre e Florestan Fernandes. Essa segunda interpretação identifica nossas origens na escravidão e percebe a exclusão e a desigualdade social como sendo os nossos grandes males. Para dialogar com a história nacional, foram selecionados textos disponíveis na literatura especializada que versam sobre a história da área de Ensino de Ciências brasileira. Por meio de uma abordagem com embasamento na historiografia do problema e do método regressivo de Marc Bloch e após inúmeras leituras conjuntas dos textos selecionados para análise e do referencial teórico foram criadas categorias que relacionam a história da área e as interpretações históricas do Brasil trabalhadas na obra de Jessé Souza. Neste artigo são apresentadas duas das categorias criadas. A primeira categoria relaciona a teoria da modernização, estreitamente ligada à interpretação patrimonialista do Brasil, com as ajudas financeiras de agências internacionais e norte-americanas para a produção de materiais didáticos e o treinamento de professores recorrentemente mencionadas na história da área de Ensino de Ciências. A segunda categoria relaciona o anseio de modernização nacional, fomentado pela linha historiográfica patrimonialista, com a nascente pesquisa em ensino de Ciências no Brasil. Reflexões apoiadas nas referidas categorias apontam que a história da área apresentada na literatura analisada possui ligações com a interpretação patrimonialista do Brasil que menospreza os aspectos escravocratas da nossa história e encobre nossa brutal e atual desigualdade social. Por fim, é indicado à área de Ensino de Ciências brasileira a necessidade de um maior envolvimento intelectual de seus membros com as questões da desigualdade e exclusão social no Brasil.Referências
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