A biologia que não ousa dizer seu nome: olhares pós-dualistas para pesquisas nos temas gênero e sexualidade na educação em ciências

Autores

DOI:

https://doi.org/10.22600/1518-8795.ienci/2025v30n1p402

Palavras-chave:

Epistemologia Feminista, Feministas Biólogas, Sexo/gênero, Educação Sexual, Diferença Sexual

Resumo

O debate natureza-cultura aborda questões sobre o papel da natureza e da cultura no desenvolvimento humano, além de fazer referência a divisão entre biociências e humanidades. Nesse contexto, os pares natureza-cultura podem ser considerados opostos (dualismo), em interação (interacionismo) ou entrelaçados (pós-dualismo). Com base em perspectivas pós-dualistas, feministas biólogas questionam tanto os determinismos biológicos quanto os sociais no tratamento das questões de sexo/gênero, rejeitam abordagens biofóbicas que consideram os aspectos biológicos como limitadores e denunciam interpretações rígidas e reducionistas da biologia. Como é crescente o número de estudos da área de pesquisa em Educação em Ciências que abordam as temáticas sexo/gênero e sexualidade, faz-se necessário compreender como palavras e expressões derivadas de “biologia” são mobilizadas nessas pesquisas. Para tanto, a partir de referenciais pós-dualistas, analisou-se vinte artigos de periódicos da área em questão (2018 a 2020), a fim de caracterizar o debate natureza-cultura e compreender as relações que eles estabelecem com o “biológico”. Os artigos analisados apresentam relações interacionistas entre os pares do debate natureza-cultura, sendo raras as perspectivas pós-dualistas. Além disso, observamos que os estudos se referem ao “biológico” a partir de sete interpretações (material, determinista, pedagógica, discursiva, como campo de estudos, como conhecimentos e “outras biologias”), preponderando efeitos de uso limitante. Os resultados indicam a construção de uma visão rígida da biologia na área de pesquisa em Educação em Ciências, a qual poderia ser ampliada a partir de novas relações com o “biológico”, fundamentadas em perspectivas feministas pós-dualistas.

Biografia do Autor

  • Mariana Brasil Ramos, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)/Professora Magistério Superior
    Doutora em Ciências (Ensino e História de Ciências da Terra) - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora Magistério Superior - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
  • Adriana Mohr, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)/Professora Titular
    Doutora em Educação (Ensino em Ciências Naturais) - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora titular - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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2025-05-01

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Artigos

Como Citar

Tavares, B., Brasil Ramos, M. ., & Mohr, A. (2025). A biologia que não ousa dizer seu nome: olhares pós-dualistas para pesquisas nos temas gênero e sexualidade na educação em ciências. Investigações Em Ensino De Ciências, 30(1), 402-442. https://doi.org/10.22600/1518-8795.ienci/2025v30n1p402